26/07/2025 às 17:09 Capa

Visão que move o Brasil - O turismo como estratégia de crescimento inteligente

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Ex-ministro do Turismo revela como o setor pode transformar a economia brasileira e posicionar o país como potência mundial

Com uma trajetória de conhecimentos e cargos estratégicos no governo, Lummertz defende que o turismo deve ter a mesma prioridade do agronegócio para o desenvolvimento nacional

Quando Vinícius Lummertz cita Peter Drucker para explicar sua filosofia sobre turismo, fica claro por que ele é considerado uma das vozes mais influentes do setor no Brasil. Ex-ministro do Turismo, conselheiro em empresas privadas e membro de institutos internacionais de prestígio, Lummertz não vê o turismo apenas como uma indústria de lazer, mas como uma plataforma transformadora capaz de reposicionar o Brasil no cenário global.

Com formação internacional que inclui a Universidade Americana de Paris, Harvard e IMD, além de uma carreira que passou pelo SEBRAE, secretarias estaduais e a presidência da Embratur, Lummertz traz uma perspectiva única sobre como o turismo pode ser o motor de uma nova economia brasileira.

Sua visão vai além dos números: é sobre criar verdadeiras plataformas de desenvolvimento que integrem infraestrutura, tecnologia e cultura.

Nesta entrevista exclusiva, o executivo revela como o Brasil pode sair da posição de observador para protagonista no turismo mundial, quais políticas públicas são urgentes e por que Florianópolis tem potencial para se tornar uma “multicapital” regional. 

Suas reflexões mostram que o futuro do país pode estar nas experiências que oferecemos ao mundo. 

O PODER TRANSFORMADOR DO TURISMO

A comparação feita por Vinícius Lummertz entre o turismo e as ferrovias americanas do século XIX não é apenas provocativa — é profundamente estratégica. Inspirado nas ideias de Peter Drucker, o executivo destaca que, assim como os trilhos mudaram para sempre os Estados Unidos, o turismo carrega hoje um poder transformador que vai muito além de hotéis e restaurantes.

“A economia do turismo tem um impacto muito mais amplo do que se costuma perceber”, afirma Lummertz. “Ela conecta logística, hospitalidade, infraestrutura, imagem, qualificação, urbanização, oportunidades e empregos. O turismo não é só um setor — é uma plataforma de desenvolvimento.”

E os números falam por si. Gramado, no coração da Serra Gaúcha, com seus 46 mil habitantes, recebe cerca de 7 milhões de visitantes por ano. Já Nova York, com seus 60 milhões de turistas anuais, movimenta impressionantes 80 bilhões de dólares. Esses destinos são exemplos vivos da chamada economia do visitante — uma engrenagem que injeta capital externo direto nas comunidades locais, impulsionando negócios, empregos e investimentos.

Segundo Lummertz, os países que abraçaram o turismo de forma estratégica deram um salto não apenas econômico, mas social. “O turismo é uma alavanca de transformação. Ele leva desenvolvimento onde há potencial, movimenta a indústria, o comércio, o setor imobiliário, os serviços e a agricultura. Cria um ciclo virtuoso”, explica.

O turismo aumenta números de voos, hotéis, centros de convenções, gastronomia regional, os imóveis são valorizados, produtos locais chegando mais longe. Tudo isso gira em torno do visitante. Para Lummertz, pensar turismo é pensar futuro. É enxergar, nos trilhos invisíveis dessa nova economia, um caminho fértil para o crescimento do Brasil.

SETOR PRIVADO: O MOTOR DO DESENVOLVIMENTO

Na visão de Lummertz, o setor privado é o verdadeiro protagonista do desenvolvimento turístico, desde grandes conglomerados até pequenos empreendedores. É o capital privado que investe, ativa e movimenta a economia do visitante. Porém, isso não diminui o papel fundamental do Estado.

“Embora o protagonismo do investimento seja do setor privado, o turismo como plataforma de desenvolvimento econômico depende fortemente de políticas públicas”, esclarece. O papel do Estado é duplo: facilitar e fomentar. “O Estado deve, em primeiro lugar, facilitar: sair da frente, desburocratizar, simplificar processos; e, em segundo, fomentar o setor — promovendo o destino, estruturando a oferta e garantindo regras claras e estáveis.”

Essas políticas públicas são essenciais para criar segurança jurídica, permitir liberdade de atuação dentro de marcos regulatórios definidos e atrair novos investimentos. “Com isso, cria-se um ciclo virtuoso”, explica Lummertz. “A plataforma do turismo vai amadurecendo, se consolidando e gerando cada vez mais benefícios para a economia como um todo.”

O executivo cita a frase de Wilson Kleynubing para ilustrar a relação ideal entre público e privado: “O Estado não pode ter inveja dos empresários, até porque já é sócio através dos impostos.” Para ele, essa mentalidade é fundamental para o desenvolvimento do setor.

“No fim das contas, o agente final do desenvolvimento é sempre o investidor privado — de todos os tamanhos”, conclui. A parceria entre setor público e privado deve ser vista como complementar, não concorrencial, com cada um cumprindo seu papel específico no ecossistema turístico.

TURISMO COMO PRIORIDADE 

O Brasil ocupa as últimas posições nos rankings para investir em turismo.

A comparação que Lummertz faz entre turismo e agronegócio é provocativa e necessária. Enquanto o agro transformou o Brasil no maior exportador de alimentos do mundo, com o Plano Safra mobilizando mais de R$ 500 bilhões anuais, o turismo recebe apenas cerca de R$ 1 bilhão do Fungetur em financiamento federal.

“O contraste é evidente”, afirma. “Isso é particularmente preocupante se considerarmos que, assim como no agro, o Brasil também ocupa posição de destaque global no turismo — especialmente no turismo de natureza, onde somos o número um em potencial.”

O executivo relembra a transformação do agronegócio brasileiro, citando o exemplo das maçãs catarinenses. “Atualmente, Santa Catarina exporta maçãs até para a Argentina. No entanto, há apenas 20 anos, a maioria das maçãs consumidas no Brasil vinha justamente da Argentina.” Essa inversão ilustra o potencial transformador de políticas públicas consistentes.

O Brasil possui vantagens naturais extraordinárias: exten-são territorial, biodiversidade e diversidade cultural. No turismo cultural, figura como oitavo maior potencial mundial. “Diante disso, é fundamental desenvolver uma política nacional de turismo sólida, contínua e estratégica”, defende.

Infelizmente, o Brasil ocupa as últimas posições nos rankings do Fórum Econômico Mundial no que diz respeito às condições para investir em turismo. “Os principais entraves são a burocracia excessiva e, sobretudo, a insegurança jurídica”, identifica Lummertz.

“O turismo já é, e será, cada vez mais nos próximos 10 anos, o maior gerador de empregos no mundo”, destaca. “É o setor da economia global que mais cresce. E o Brasil, ao não investir nesse potencial, está perdendo gerações inteiras de oportunidades.”

O BRASIL NO CENÁRIO GLOBAL

A formação internacional de Lummertz oferece uma perspectiva única sobre o posicionamento do Brasil no turismo mundial. “Instituições internacionais de ponta já consideram a economia do turismo como um dos maiores expoentes da era atual, que é a era dos serviços”, observa.

O executivo identifica uma mudança paradigmática fundamental: “Vivemos hoje em um mundo em que a experiência tem mais valor do que a posse.” Houve uma inversão na lógica de consumo. Antes, o ideal estava centrado em bens duráveis — televisões, eletrodomésticos — enquanto o turismo era visto como efêmero, quase supérfluo.

“Com o maior acesso a bens duráveis — cujos preços caíram significativamente nas últimas décadas —, as pessoas passaram a reinterpretar as viagens como um bem imaterial de grande valor e durabilidade”, explica. 

As experiências vividas em uma viagem moldam a formação pessoal, cultural e emocional do indivíduo.

O exemplo da democratização das viagens é ilustrativo: uma passagem entre Nova York e Londres, que na década de 1970 custava 11 vezes mais que hoje, tornou-se amplamente acessível. “Hoje, 1,4 bilhão de pessoas viajam pelo mundo anualmente”, destaca.

Outros países avançaram estrategica-mente. Os Estados Unidos começaram com parques naturais, a Europa com museus e centros históricos. 

Dubai foi construída sobre plataformas de turismo e conectividade. A Arábia Saudita investe três trilhões de dólares para transformar sua economia do petróleo em uma economia de serviços.

“O Brasil precisa urgentemente alinhar o setor público, o setor privado, a academia e os formuladores de políticas públicas em torno desse tema”, conclui.

“O nosso turismo é reconhecido internacionalmente. O que nos falta não é potencial, é organização, continuidade de políticas públicas e, sobretudo, ambição.”

CONEXÕES GLOBAIS E ESTRATÉGIA 

Como membro fundador do LIDE Emirates, membro Rota da Seda do Turismo e do Milken Institute, Lummertz observa um ponto comum entre todos os países engajados na economia do turismo: a importância estratégica conferida ao setor. “Isso contrasta com o que acontece no Brasil, onde o apoio ao turismo ainda é espasmódico e pontual”, lamenta.

No Brasil, o desenvolvimento do turismo é muitas vezes autóctone, baseado no esforço local — “um verdadeiro trabalho morro acima”, como define. Ainda assim, o país possui a quarta maior malha aérea do mundo, o que é expressivo. Porém, enfrenta deficiências em voos regionais e segue sem um plano nacional de conectividade aérea.

“Uma estratégia de turismo eficiente precisa contemplar todo o conjunto das economias envolvidas, a conectividade sendo um dos pilares centrais”, explica. Na China, por exemplo, o desenvolvimento turístico ocorre de forma simultânea em várias cidades e regiões, com planejamento e execução integrados.

“O Brasil precisa de um planto nacional estruturado, mas também de um projeto que reflita as vocações regionais, respeitando as particularidades e os potenciais de mercado de cada território.”

O executivo destaca ainda a importância do turismo de proximidade como alavanca para atrair visitantes de regiões mais distantes. “Pode ser uma porta de entrada para a estruturação de destinos maiores.”

Suas conexões internacionais se traduzem em ações concretas. Em setembro, realizará um evento em Washington unindo o Milken Institute com o LIDE do Brasil, na sede do Milken, localizada em frente ao Tesouro Americano e à Casa Branca. “Estar presente nos centros de decisão global é essencial para a inserção internacional do turismo brasileiro.”

LIDERANÇA EMPRESARIAL E REPRESENTAÇÃO

Para Vinícius Lummertz, o turismo brasileiro sofre com a falta de uma voz unificada. “Temos lideranças fortes nos seus segmentos, mas falta uma representação nacional coesa”, afirma. Hoje, não existe uma entidade capaz de sentar-se com o presidente da República ou lideranças do Congresso e falar em nome de toda a cadeia do turismo. Essa ausência gera fragmentação, com cada setor defendendo apenas seus próprios interesses.

Durante a pandemia, a mobilização para o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) foi um exemplo de articulação eficaz, mas pontual. “Faltou o passo seguinte: transformar essa união em uma força permanente, com visão de futuro e influência política contínua”, diz Lummertz.

O LIDE surge como um espaço promissor para essa transformação, especialmente com iniciativas como o LIDE Dubai, voltado à conexão Brasil –Emirados Árabes. “Agora, é hora de criar verdadeiros think tanks, que produzam dados, propostas e articulem políticas públicas.”

Ele conclui com um chamado: “Já passou da hora de criarmos uma União Nacional do Turismo Brasileiro — estratégica, técnica e com peso real nas decisões que moldam o futuro do país.”

FLORIANÓPOLIS: A MULTICAPITAL

“A cidade tem vocação natural para a liderança regional”

A visão de Lummertz sobre Florianópolis como “multicapital” da Região Sul reflete uma análise profunda das transformações da cidade. “Florianópolis é, hoje, a capital que mais cresce no Brasil, localizada no estado de Santa Catarina, que também é a unidade da federação com maior crescimento no país.”

Nos últimos anos, o estado recebeu mais de 500 mil imigrantes, representando uma transformação profunda. “Florianópolis deixou de ser uma cidade predominantemente formada por servidores públicos e destaca-se por sua economia baseada em empresas de tecnologia — é reconhecida como a capital nacional das startups.”

Mais de 25% da arrecadação municipal já vem do setor tecnológico, reduzindo a dependência do IPTU e aliviando a carga tributária sobre os moradores. “A qualificação do turismo faz dupla com a inovação tecnológica.”

Estimativas indicam que Santa Catarina deverá ultrapassar o Rio Grande do Sul em população e PIB até 2046. “Isso devolve a Florianópolis, como capital e metrópole, uma responsabilidade estratégica: a de pensar e planejar o futuro do estado.”

Florianópolis já consolidou múltiplas lideranças: capital da tecnologia, capital turística e capital política. Mas pode assumir outras dimensões:

Capital ecológica: Florianópolis é uma das raras capitais do mundo onde cerca de 60% do território são áreas de preservação permanente.”

Capital náutica: “Santa Catarina é o estado que mais produz barcos de lazer no Brasil — cerca de 80% da produção nacional.”

Capital cultural: “Florianópolis precisa de novos centros de convenções, salas de eventos e mais apoio a movimentos culturais. Cultura é expressão de liderança e está profundamente conectada com a era tecnológica.”

“A progressão desses status mostra que Florianópolis amadureceu”, avalia Lummertz. “É uma cidade cada vez mais capaz de gerir o seu próprio espaço, seu crescimento e seu futuro.”

DESAFIOS DE SANTA CATARINA

Os desafios identificados por Lummertz para Santa Catarina estão centrados na gestão do crescimento acelerado, especialmente no litoral. “O desenvolvimento das serras catarinenses exige mais planejamento, mas ainda há um pouco mais de tempo para isso. Já no litoral, esse momento passou.”

O crescimento ultrapassou todas as expectativas e superou a capacidade de planejamento, que tem sido negligenciada nas últimas décadas. “Eu sei por ter sido Secretário de Planejamento do Estado”, revela.

O desenvolvimento natural impulsionado pelo veranismo tomou proporções gigantescas, gerando conflitos vocacionais, expansão desordenada das cidades, dos portos e dos balneários. “Tudo isso demanda planejamento.”

“Precisamos elevar o nível do planejamento no estado, promovendo uma atuação integrada com os municípios e suas associações, pois os gargalos que enfrentamos podem asfixiar Santa Catarina”, alerta.

Os desafios incluem conectividade — onde o governo estadual já busca soluções, como a via marítima — e questões críticas relacionadas ao saneamento, que necessitam de planejamento estruturado.

“É fundamental planejar, organizar, coordenar, dialogar e promover a cocriação com os municípios, ajustando os planos diretores por meio de uma discussão aberta e construtiva”, defende. “Esse é um papel essencial para o desenvolvimento do estado e precisa ser realizado com muita urgência.”

A experiência de Lummertz como ex-secretário de Planejamento do Estado oferece credibilidade especial a essas observações. Ele testemunhou os primeiros sinais do crescimento acelerado e agora vê as consequências da falta de planejamento adequado.

TRAJETÓRIA E VISÃO DE GESTÃO

A trajetória diversificada de Lummertz — do SEBRAE ao Ministério do Turismo — moldou uma visão particular sobre gestão pública e desenvolvimento regional. “Acredito que o desenvolvimento regional no Brasil precisa ter sintonia com um projeto nacional consistente”, afirma.

É necessário que o turismo faça parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o que ainda não ocorre, apesar de o setor responder por 8% da economia e gerar 8,5 milhões de empregos. “A ausência no PAC impacta negativamente o desenvolvimento regional e nacional.”

Também defende a implementação de uma política efetiva de promoção dos destinos, tanto interna quanto externamente, contemplando polos estratégicos como Nordeste, Sul e Amazônia.

“O alinhamento entre essas políticas e o projeto nacional é fundamental”, destaca. “O desalinhamento fragiliza os investimentos e amplia a insegurança jurídica, afastando investidores e dificultando o avanço do setor.”

Sua experiência múltipla — desde dirigente do SEBRAE até ministro — oferece uma perspectiva única sobre a necessidade de continuidade nas políticas públicas. “É preciso evitar que a cada novo governo tudo recomece do zero.”

A visão de Lummertz sobre gestão pública é pragmática: o Estado deve facilitar e fomentar, não competir com o setor privado. Sua experiência em diferentes esferas de governo — municipal, estadual e federal — demonstra como essa filosofia pode ser aplicada em diferentes contextos.






26 Jul 2025

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